21/05/2022

Manifesto Antiproibicionista
Marcha da Maconha Recife 2022

A Marcha da Maconha Recife é uma organização da sociedade civil que congrega movimentos e ativistas antiproibicionistas desde 2008. Na luta por uma política de legalização/regulamentação das drogas que contemplem as necessidades da população, em especial as necessidades das pessoas mais atingidas pela suposta guerra às drogas. Entendemos a luta pela legalização como uma questão de saúde pública/coletiva. Reconhecemos que a maconha e outras substâncias que se encontram no rol da proibição, não são proibidas pelo seu nível de periculosidade ou ameaça à saúde des usuaries, e sim por questões econômicas, que passam por interesses da indústria farmacêutica, do mercado de armas e de grupos que lucram com o encarceramento gerado por esta conjuntura e de alguma forma, procuram a manutenção das estruturas deste *CIStema capitalista, como os donos de Comunidades Terapêuticas e de Hospitais Psiquiátricos, assim como os interessados nas privatizações das prisões. A proibição tem um caráter punitivista que resulta em encarceramento/extermínio dos corpos pretos/periféricos sendo uma ferramenta central na manutenção do racismo estrutural e de outras formas de opressões, como classismo, machismo, LGBTQIAP+fobia, capacitismo, xenofobia e intolerância religiosa, tão presentes na sociedade brasileira. 

 

As Leis 11.343/2006 e 13.480/2019, sobre a política de drogas no Brasil, promovem um aumento expressivo do encarceramento, e mantêm o foco na repressão ao comércio ilícito. Na Lei, apesar de distinguir quem usa e quem comercializa drogas, não estabelece critérios de identificação, expressando seletividade penal e prisões indevidas. Dados do IPEA (2020) constatam que, em Pernambuco, entre 65% e 75% dos crimes violentos letais intencionais (CVLI), têm relação com o comércio de drogas e refletem diretamente o extermínio da população preta e periférica do estado. Sobre o encarceramento da população, os números são expressivos da mesma forma. Dos anos 2000 a 2016 o número de mulheres encarceradas aumentou 455% e até 2018, 62% das mulheres encarceradas no país chegaram à prisão por causa do comércio de drogas. Já o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com Lei revela que 22% dos atos infracionais cometidos por jovens, são análogos ao comércio ilícito de drogas. Em todos os cenários os conflitos com a lei relacionados às drogas, entre elas a maconha, superlota as unidades prisionais, revitimizando populações em vulnerabilidade social.

 

As políticas proibicionistas têm impacto direto na vida das mulheres, principalmente no que se refere ao uso de drogas. De acordo com o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania - ITTC, a população carcerária que mais cresce no País é a de mulheres cisgêneras, sendo que 58% destas estão presas por comércio ilícito de drogas, 50% têm entre 18 e 29 anos e 68% são negras. Outro dado alarmante é que 35% das presas por este comércio foram flagradas entregando drogas em presídios, na maioria das vezes para seus companheiros, filhos ou irmãos presos. Estas têm as mesmas características sociais: a grande maioria são negras, pobres e chefas de família, que foram introduzidas no comércio ilícito através de um referencial masculino. 

 

No país que mais mata Travestis e pessoas Trans no planeta, percebemos que as narrativas e vivências trans são proibidas de maneira maniqueísta e moralista. A crescente onda de conservadorismo e fundamentalismo que atravessa o Brasil, com a tendência fascista que tomou conta do governo federal, apenas acirrou este quadro. Ao serem expulsas de casa e da família na infância/adolescência, (13 anos em média), excluídas do ambiente escolar transfóbico e agressivo, travestis e mulheres trans se vêem na rua, sem nenhuma estrutura, rede de apoio, escolaridade ou capacitação. A prostituição torna-se a única opção de renda, diante de um mercado econômico completamente transexcludente, e onde 90% desta população se encontra de forma compulsória (ANTRA, 2021). Vulnerabilizadas sob diversos aspectos, em especial o econômico, segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (2020), 88,5% da população transfeminina encarcerada tem como tipo criminal, crimes ligados ao econômico. Entre estes, encontramos 34,6% de casos relacionados ao mercado ilícito de drogas, assim como 38,5% por roubo, e 15,4% por furto. Quadros semelhantes acerca do mercado ilícito de drogas como tipificação criminal da população LGB cisgênera encarcerada também são encontrados. Podemos citar mulheres lésbicas (65%), mulheres bissexuais (64,8%), homens gays (23,8%), e homens bissexuais (26,7%).

 

No entanto, nas últimas décadas, vem aumentando o número de estudos e pesquisas que comprovam cientificamente os benefícios do uso de derivados de Maconha (CBD, THC, entre outros canabinoides) para doenças neurodegenerativas, convulsivantes, dores crônicas, epilepsia, transtorno do espectro do autismo, depressão, ansiedade, entre outras. Assim como, para o bem estar físico e social para doenças incuráveis, como complicações do tratamento da AIDS e do câncer. No Brasil até o momento, dispomos de 11 produtos aprovados pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) nessa categoria, mas que não contemplam toda a população que precisa fazer uso da medicação, seja por motivos burocráticos e/ou financeiros, visto o alto valor desses medicamentos no mercado.

 

Em Pernambuco, temos grupos que já conquistaram Habeas Corpus para o auto cultivo domiciliar e produção caseira do óleo à base de Cannabis sativa, como o Coletivo de Mães Independentes. As associações de pacientes também progridem na busca de autorizações na justiça para o plantio coletivo em benefício de seus associados, algumas delas: AMME (Associação Maconha Medicinal), ACOLHER (Associação Brasileira de Cannabis e Saúde) e CANNAPE (Associação Canábica Medicinal de Pernambuco). Em paralelo, o meio acadêmico vem se fortalecendo e buscando parcerias, como o caso do Ambulatório Canábico. Um projeto de extensão coordenado pelo professor Rodrigo Cariri na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), que visa garantir o acompanhamento clínico de pacientes que usam derivados da Cannabis para fins medicinais.

 

Enquanto isso, no poder legislativo e judiciário, projetos de leis e recursos extraordinários avançam a passos lentos, embarreirados pela ala conservadora e retrógrada da política brasileira. Como o PL399/2015, que regulamenta o plantio de maconha, para fins medicinais e a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta. Já aprovado na comissão especial da Câmara dos Deputados após recurso, encontra-se aguardando votação no plenário da câmara. O Recurso Extraordinário 635.659, em que se discute, em regime de repercussão geral, a tipicidade do porte de drogas para consumo pessoal, está em julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) desde 2015, com três votos favoráveis à descriminalização do uso da maconha. E recentemente, aqui na Assembléia Estadual, tramita o PL 3098/2022 de autoria do Deputado Estadual João Paulo (PT), que dispõe sobre o cultivo e o processamento da Cannabis sativa para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais, por associações de pacientes, nos casos autorizados pela ANVISA e pela legislação federal nos termos Lei Federal nº 11.343/2006 (Lei de Drogas). Apesar dos avanços, as leis propostas não contemplam o usuário social, não sendo permitido o plantio caseiro. Deixando sob a responsabilidade dos diversos ramos da indústria e das associações de pacientes todo o plantio, processamento e distribuição dos medicamentos. Assim não contempla a população  preta, pobre e periférica, que é quem mais sofre com a repressão policial ocasionada pela fracassada guerra às drogas, fazendo com que paguem com suas vidas.

 

Diante desta realidade, a Marcha da Maconha vem ocupando os espaços de discussão e tomada de decisão como o Conselho Municipal de Políticas sobre Álcool e outras Drogas (COMPAD), visando contribuir para uma política de drogas pautada na redução de danos, tendo como norte o cuidado e a autonomia des usuáries. Apostamos na promoção de debates, como o THCine, roda de diálogos, formações, vivências, que auxiliam na construção diária de um entendimento da sociedade, sobre o uso de drogas e as consequências maléficas da proibição. O ato que levamos para a rua, e as trocas artístico políticas fomentadas no festival de cultura canábica são momentos de culminância de uma atuação diária e contínua do movimento antiproibicionista Recifense.

 

Dessa forma, compreendemos que é preciso envolver a sociedade para uma atuação política na via institucional (parlamentar) que some forças à essa luta. Pensando na importância das pautas que levantamos e defendemos, para a construção de uma sociedade mais justa, livre das estruturas racistas, classistas, machistas, LGBTQIA+fóbica, xenofóbica, capacitista e de intolerância religiosa, que atravessam a vida da população como um todo, e fundam a sociedade brasileira, consideramos estratégico neste momento falar de eleições. É sob tal incidência que trazemos o tema: Aperte o Verde Contra o Fascismo: A nossa luta é pelo bem viver. Trazemos o que precisamos combater, mas também o que queremos, uma sociedade que tenha como base políticas de cuidado, tão bem trabalhadas e firmadas pelos povos originários e por cada pessoa que constrói vida, saúde e encanto em nosso território. Neste ano tão importante propomos firmar um pacto coletivo, um compromisso, e esse manifesto é o pontapé inicial de tal amálgama que nos liga em favor de uma política de drogas que sirva aos interesses de todes os povos que habitam e constroem nosso território. Acreditando na força coletiva e na diversidade, aqui construímos um ponto de encontro e compromisso com o antiproibicionismo, a redução de danos, a luta anti manicomial, a reforma psiquiátrica e o abolicionismo penal. Aderindo a este manifesto, estamos construindo a concretização da ampliação de possibilidades de diálogos que fortalecem nossa democracia participativa.

 

Referências: 

ANTRA (2021), Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020. 

IPEA (2020), Atlas da Violência. 

Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (2020), LGBT nas prisões do Brasil: Diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento.

Instituto Terra, Trabalho e Cidadania - ITTC, Mulheres e tráfico de drogas: uma sentença tripla (2015) Disponível em: http://ittc.org.br/mulheres-e-trafico-de-drogas-uma-sentenca-tripla-parte-i/ 

 

 

Para baixar o documento do manifesto clique aqui.

"Atenção, atenção! A Marcha da Maconha da Visibilidade Trans está acontecendo agora! Não perca a oportunidade de participar do Fórum Social Mundial e discutir a importância da luta antiproibicionista para
O evento ocorreu no dia 22/05, um dia após a Marcha da Maconha nas ruas da cidade do Recife. Para assistir clique abaixo: ASSISTIR 8º FESTIVAL DE CULTURA CANÁBICA DO

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